O Barroco Protestante e Católico

O Grupo Vocal Olisipo apresenta uma seleção de obras que ilustra a evolução do estilo dos compositores ligados à Sé de Évora nas gerações que se seguiram à conhecida “idade de ouro” de Manuel Cardoso, Duarte Lobo e Filipe de Magalhães. É fascinante ver como a força da Contra-reforma e a influência da obra dos grandes mestres seiscentistas fizeram com que, paralelamente ao desenvolvimento de novos estilos musicais, a escrita no stile antico se tenha mantido até meados do século XIX.
Foi perto do fim da vida dos compositores desta geração de ouro que nasce Diogo Dias Melgaz (1638-1700). Aluno de Manuel Rebelo, foi Mestre de Capela da Catedral de Évora. O seu estilo de composição austero e despojado compensam uma aparente simplicidade com um arrojo de escrita harmónica e expressiva que mostra claramente o seu conhecimento da linguagem musical barroca.
O compositor Pedro Vaz Rego tem fortes ligações com Diogo Dias Melgaz. Nascido em Campo Maior em 1673, foi aluno de Melgaz em Évora, tendo-se mais tarde tornado Mestre de Capela da Catedral de Elvas (cargo que Francisco Martins tinha também ocupado). Voltou a Évora para ajudar o seu antigo professor quando este estava já doente e cego e substituiu-o como Mestre de Capela e Reitor do Colégio dos Moços de Coro. Foi um autor prolífico de várias obras musicais tanto no estilo antigo como no moderno. Foi também autor de poemas e textos teóricos.
Afonso Lobo poderá ou não ser o famoso compositor espanhol Alonso Lobo, já que não se conhecem quaisquer pormenores sobre a sua vida. Apesar disto,
o estilo e a linguagem harmónica das obras nas quais se contam estes Motetes para a Quaresma parece aproximá-lo de autores do século XVIII como Melgaz, o que poderá dar credibilidade à hipótese de ser na realidade um autor português.
André Rodrigues Lopo (c.1730-1800) foi cantor (tenor) da Capela da Catedral de Évora, tendo sido Mestre da Claustra, cargo que acumulou no final da vida com o Mestre de Capela Francisco José Perdigão. Sabe-se muito pouco sobre a sua vida, mas há muitas obras suas no arquivo da Sé de Évora.
Miguel Anjo do Amaral (c.1770-c.1820) foi professor no Colégio dos Moços de Coro e cantor na Capela da Catedral, funções nas quais terá certamente trabalhado com o seu contemporâneo Francisco Perdigão. As suas obras em estilo antigo têm uma linguagem harmónica e um estilo de escrita melódico mais arrojados e inovadores que o afastam, mais do que a qualquer dos outros compositores interpretados, do estilo dos autores clássicos da Sé de Évora.
Na segunda parte do nosso programa contrastamos a realidade da tradição musical católica em Portugal com a da música na Alemanha protestante, passando também de obras e autores quase desconhecidos para uma das grandes obras da música vocal barroca, o Motete “Jesu, meine Freude” da autoria de Johann Sebastian Bach.
Não sabemos muito sobre a motivação de Bach para a escrita desta obra, embora se considere que poderá ter sido escrito em Leipzig em 1723 para o funeral de Johanna Maria Käsin. Seja qual tenha sido a origem a verdade é que este motete é uma verdadeira obra- prima, uma das poucas obras de Bach que se manteve ininterruptamente em repertório desde a vida do compositor até à redescoberta da sua obra no século XIX.
Uma das poucas obras de Bach escrita para cinco vozes, o motete alterna versos do coral Jesu, meine Freude da autoria de Johann Crüger (andamentos ímpares) com versos tirados da epistola de São Paulo aos Romanos (andamentos pares). Para além da virtuosidade da escrita vocal, altamente contrapontística e da complexidade cromática e harmónica de algumas passagens, a macro-estrutura é cuidadosamente planeada por Bach, sendo uma obra simétrica, em que cada andamento tem um correspondente na outra metade da peça. Esta simetria é dividida por um eixo central, o sexto andamento. Este andamento é uma fuga que junta os já referidos virtuosismo vocal e complexidade de escrita, sendo o andamento mais complexo, no qual o próprio texto sintetiza os temas principais da obra, a vitória do espírito sobre as tentações do corpo e a consequente vitória da vida sobre a morte e a condenação eterna.
Esperamos que este conjunto de pequenas obras-primas, na sua maioria completamente desconhecidas do público moderno, vos fascine, não tanto pelo fenómeno da imutabilidade estilística coexistindo com a inovação técnica ao longo de dois séculos, mas, sobretudo, pela sua beleza.
Programa
Diogo Dias Melgaz (1638-1700)
Adjuva nos
Salve Regina
Pedro V. Rego (1673-1736) Beati Omnes
Afonso Lobo (fl.1770-1790) Motetes para a Quaresma
Ductus est Jesus
Assumpsit Jesus
Erat Jesus ejiciens
Cum sublevasset
André Rodrigues Lopo (c. 1739-c.1800) Sepulto Domino
Miguel Anjo do Amaral (c. 1770-c.1820) Dicebat Jesus
Johann Sebastian Bach (1685-1750 Jesu, meine Freude BWV 227
1. Jesu, meine Freude
2. Es ist nun nichts Verdammliches
3. Unter deinem Schirmen
4. Denn das Gesetz
5. Trotz dem alten Drachen
6. Ihr aber seid nicht fleischlich
7. Weg mit allen Schätzen
8. So aber Christus in euch ist
9. Gute Nacht, o Wesen
10. So nun der Geist
11. Weicht, ihr Trauergeister
Grupo Vocal Olisipo: Elsa Cortez (soprano) | Patrycja Gabrel (soprano) |Lucinda Gerhardt (mezzo) | Carlos Monteiro (tenor) | Armando Possante (barítono)
Direção: Armando Possante
Nota biográfica
Grupo Vocal Olisipo
Fundado em 1988, e desde sempre dirigido por Armando Possante, o Grupo Vocal Olisipo é reconhecido como um dos mais importantes ensembles do actual panorâma musical português.
O seu repertório é vasto e eclético, abrangendo o período medieval até aos nossos dias. Colabora, frequentemente, com os mais diversos compositores, tendo apresentado em primeira audição obras de Bob Chilcott (“Irish Blessing”), Ivan Moody (“The Meeting in the Garden” e “The Prophecy of Symeon”), Christopher Bochmann (“Maria Matos Medley”, “Morning” e a ópera “Corpo e Alma”), Eurico Carrapatoso (“Magnificat em Talha Dourada”, “Horto Sereníssimo” e “Stabat Mater”), Vasco Mendonça (“Era um Redondo Vocábulo”), Luís Tinoco (“Os Viajantes da Noite”) e Manuel Pedro Ferreira (“Delirium”), entre outros. Em Outubro de 2016, estreou no Festival Guitar’Essonne, em França, obras de Anne Victorino d’Almeida, António Pinho Vargas, Carlos Marecos, Daniel Davis, Edward Luiz Ayres d’Abreu, Fernando Lapa, José Carlos Sousa, Nuno Côrte-Real, Sérgio Azevedo e Tiago Derriça.
Trabalhou com dois dos mais prestigiados ensembles mundiais da actualidade – Hilliard Ensemble e The King’s Singers –. Com a reputada soprano norte-americana Jill Feldman, trabalhou interpretação de ópera barroca.
O GVO conquistou diversos prémios, nomeadamente uma Menção Honrosa no Concurso da Juventude Musical Portuguesa e o Primeiro Prémio nos seguintes concursos: International May Choir Competition em Varna, Bulgária; Tampere Choir Festival, Finlândia; 36º Concorso Internazionale C.A.Seghizzi em Gorizia, Itália; 5º Concorso Internazionale di Riva del Garda, igualmente em Itália. A estes, somam-se vários prémios de interpretação.
Apresenta-se por todo o país, nos principais festivais de música e salas de espectáculo, colaborando com vários ensembles instrumentais e orquestras nacionais. Internacionalmente, apresenta-se em concertos por toda a Europa. Mais recentemente em Singapura, apresentou três concertos de música portuguesa.
Em cinema, o GVO participou no filme As variações de Giacomo, do realizador austríaco Michael Sturminger com produção de Paulo Branco, contracenando com os actores John Malkovich e Veronica Ferres e com os cantores Miah Persson, Florian Bösch e Topi Lehtipuu.
Gravou o Officium Defunctorum de Estêvão de Brito e as Matinas de Natal de Estêvão Lopes Morago para a editora Movieplay, as Cantatas Maçónicas de Mozart para a EMI, Tenebrae, com obras de Francisco Martins e Manuel Cardoso e o Magnificat em Talha Dourada de Eurico Carrapatoso para a etiqueta Diálogos.
Armando Possante
Fez os seus estudos musicais no Instituto Gregoriano de Lisboa e na Escola Superior de Música de Lisboa onde concluiu os Cursos Superiores de Direcção Coral com o Professor Christopher Bochmann, Canto Gregoriano com a Professora Maria Helena Pires de Matos, e Canto com o Professor Luís Madureira. Foi-lhe atribuído o título de Especialista em Canto pelo Instituto Politécnico de Lisboa, comprovando a qualidade e especial relevância do seu currículo profissional como professor do ensino superior.
Estudou Canto em Viena com a Professora Hilde Zadek e frequentou Masterclasses de Canto com os professores Christianne Eda-Pierre, Christoph Prégardien, Siegfried Jerusalem e Jill Feldman. Aperfeiçoou os seus estudos de Canto Gregoriano em Itália com os professores Nino Albarosa, Johannes Göschl, Alberto Turco e Luigi Agustoni.
É professor no Instituto Gregoriano de Lisboa e na Escola Superior de Música de Lisboa.
Orientou workshops no Canadá (Festival 500), Inglaterra (Congresso da ABCD), Singapura (A Cappella Festival) e em Portugal, destacando-se as Jornadas Internacionais de Música da Sé de Évora, onde trabalhou frequentemente ao lado de Owen Rees e Peter Phillips.
É director musical e solista do Grupo Vocal Olisipo e do Coro Gregoriano de Lisboa e membro convidado do Nederlands Kamerkoor, tendo-se apresentado em concertos na Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão, Luxemburgo, Marrocos, Polónia, Singapura e Suíça, bem como nas principais salas e festivais de música nacionais.
Conquistou o 3º prémio e o prémio para a melhor interpretação de Bach no I Concurso Vozes Ibéricas, o 3º prémio e o prémio para a melhor interpretação de uma obra portuguesa no Concurso Luisa Todi e o 1º prémio no 7º Concurso de Interpretação do Estoril. Como maestro, foi-lhe atribuido o prémio Bärenreiter para a melhor interpretação de uma obra renascentista no concurso C. A. Seghizzi em Itália e, com o Grupo Vocal Olisipo, quatro primeiros prémios e vários prémios de interpretação em concursos internacionais na Bulgária, Finlândia e Itália. Gravou mais de duas dezenas de discos com grande reconhecimento crítico, pelos quais recebeu, entre outras distinções, uma nomeação para os prémios da SPA, o Choc du Monde de la Musique e o Diapason d’Or.
Apresenta-se regularmente com a pianista Luiza da Gama Santos em recitais de Lied, tendo já interpretado obras como os ciclos Winterreise de Schubert, Dichterliebe de Schumann e Lieder eines Fahrendes Gesellen de Mahler. Como solista de oratória interpretou, com as principais orquestras do país, obras como a Missa em Si m, Oratória de Natal, Paixão segundo São João e Magnificat de Bach, Messias de Handel, A Criação de Haydn, Nona Sinfonia de Beethoven, Petite Messe Solennelle de Rossini, Requiem Alemão de Brahms, L’enfance du Christ de Berlioz, Carmina Burana de Orff e as missas de Requiem de Mozart, Bomtempo, Fauré, Duruflé, Lopes Graça e Eurico Carrapatoso.
Tem trabalhado também na área da música contemporânea, tendo apresentado em primeira audição obras de vários compositores como Christopher Bochmann, Ivan Moody, Bob Chilcott, Eurico Carrapatoso, Luís Tinoco, António Pinho Vargas, Pedro Amaral, Vasco Negreiros, Sérgio Azevedo, Carlos Marecos e Nuno Côrte-Real, entre muitos outros.
Estreou-se em ópera no papel de Guglielmo em Così fan Tutte de Mozart, tendo posteriormente participado em produções das óperas L’Amore Industrioso, As Variedades de Proteu, Dido and Aeneas, The Fairy Queen, Venus and Adonis, La Déscente d’Orphée aux Enfers, La Donna di Génio Volubile, La Dirindina, Don Giovanni, A Floresta, Corpo e Alma, Jeremias Fisher, O Sonho, L’Elisir d’Amore e Gianni Schicchi.
Sádabo, às 16h
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